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A maioria sabe que o futebol brasileiro está passando por uma grande transformação, mesmo que seja uma transformação que já ocorreu na Europa há mais de 30 anos. Aqui, nas terras onde se planta tudo dá, demorou para acontecer.

Mas com certeza, a transformação dos clubes em empresas (SAFs) seria o caminho mais lógico e correto. No entanto, como no Brasil, nem o passado é garantido, podemos dizer que esse modelo pode tender ao desastre.

Não vou me ater às outras SAFs no Brasil e vou me dedicar a falar da SAF do Cruzeiro, o maior time do mundo (do meu, é claro), o único grande azul do nosso Brasil.

Em 2019, o Cruzeiro (clube) tropeçou no frango em termos de aumento das despesas e falta de uma gestão de qualidade, o que resultou em uma queda para a segunda divisão do futebol brasileiro. Diferente de muitos clubes, o Cruzeiro não tem muitos “padrinhos” para ajudá-los em momentos de tropeço no frango. É um time criado por imigrantes italianos de Belo Horizonte que tinham dificuldades para participar dos grandes e bem frequentados clubes da capital (aqui estamos falando das associações e não dos times de futebol).

O Cruzeiro sempre foi um time de orçamento baixo, de ótima captação de atletas sem fama, transformando-os em ídolos. Isso afastou durante muitos anos dirigentes que buscavam a mutreta e o dinheiro fácil, pois em um time sem dinheiro que tinha que ser criativo para se destacar era difícil ganhar dinheiro na teta da raposa. Mas com certeza isso não durou para sempre.

Mas não falaremos mais do passado e sim do que nos assola: três anos na série B, quase caímos para a série C (obrigado, Big Phil) e, ao final de 2021, uma luz no final do túnel apareceu, o único Ronaldo, o Ronaldo gordo ou só o fenômeno, que teve a oportunidade de estrear no mundo do futebol no único grande azul do Brasil. Ainda não sabemos se essa luz era uma lanterna ou um trem, mas o fato é que o Ronaldo prometeu reerguer essa massa maltratada com boa gestão e transparência.

O problema é que você está no Brasil e isso incorre em entender coisas que estão fora do entendível. No primeiro ano, a gestão Ronaldo foi fenomenal, reduziu a folha de pagamentos para algo realista, trouxe técnico e jogadores com fome de vitória e a um custo baixo, até a saída de costas (de novo, porra) do nosso grande goleiro Fábio (campeão da Libertadores pelo Flu, parabéns) foi acertada (mas isso é tema para um papo mais jurídico).

Foi o suficiente, voltamos às finais do campeonato Rural (que gosto muito), e fizemos uma série B sem maiores problemas, nota 1.000 para a gestão Ronaldo, mas e nos melhores momentos que o diabo aparece. Os erros de gestão começam a aparecer de forma quase caricata. Era sabida a necessidade de aumento de receita que o Ronaldo queria e precisava, mas ele fez duas apostas que beiram o desconhecimento das coisas em nosso Brasil.

1 – Mineirão: Está claro que o contrato feito entre a empresa gestora do estádio e o estado de Minas firmado tem algumas nuances que diferem do correto e saudável, mas comprar uma briga com a gestora do estádio para que um contrato, firmado, assinado e validado seja revisto ou refeito, dentro de um curto prazo, era muito otimismo. Sério, o Cruzeiro anunciou que iria jogar em outros estádios e a gestora simplesmente disse ok, óbvio, o Cruzeiro precisava mais das receitas do que a minha arena de jogos no estádio. O Cruzeiro estava certo no pleito, mas a gestora do estádio tinha as regras embaixo do braço. Qualquer gestor que conheça o Brasil pensaria em outra estratégia para o conflito. Logo, o Cruzeiro não conseguiu aumento de receita via Mineirão.

2 – Liga entre clubes: Porra, Ronaldo, desde que o futebol brasileiro foi tricampeão, quem manda nessa carroça é a televisão, ela paga o maior patrocínio de todos, manda no calendário nacional, ela precisa de jogos toda quarta e finais de semana para entreter o povo brasileiro. Lembra da nossa tríade de ouro dos tempos de Gugu Liberato animando o domingo do cidadão brasileiro. Mulher seminua, futebol e cerveja. Com isso, Ronaldo achou que chegaria no Brasil, traria meia dúzia de amigos da Espanha e criaria uma liga como a La Liga ou a Premier League. Porra, Ronaldo, o Ayrton Senna já foi escrachado no Brasil, o Pelé (que Deus o tenha mas que não leve o time do Santos junto) já foi amplamente criticado, você realmente achou que chegaria, meteria a mão na caixinha de cerveja gelada da nossa TV e criaria uma liga independente do dia para a noite. Meu rei, é só folhear os folhetins da finada revista Placar e entender como a TV várias vezes implodiu qualquer possibilidade de criação de uma liga de clubes. E até hoje o Ronaldo não sabe o que fazer com essa liga de clubes por aí.

Bom, dado esses dois equívocos de natureza estratégica, vamos focar no time:

Erro 01: O Cruzeiro tinha o técnico Pezzolano, gente boa, jovem, comedor de carne uruguaia, mas que já tinha demonstrado para a diretoria que não queria ficar para 2023. Assim como todo brasileiro de alta classe e todo argentino, o sonho dele era ir e trabalhar na Europa. Então, com um passe de ignorância, a diretoria o convenceu a ficar, para o Cruzeiro buscar com calma um novo comandante, e ao mesmo tempo “sopraram” na cabeça do rapaz que ele poderia assumir o Valladolid, que também é um time do Ronaldo. Bom senhores, qual o problema, nenhum, só que o cara é o chefe do seu planejamento, o seu diretor de operações e o cara responsável pela parte mais importante da sua engrenagem, e o cara não queria ficar. Resumo da ópera, fizemos os 3 primeiros meses de dar pena, sem o mínimo critério para contratação de jogadores e com uma clara falta de interesse do técnico em fazer tudo o que ele fez no ano anterior. Aí sim, depois da perda do Mineiro, Pezzolano pede demissão de forma irredutível, o que deveria ter acontecido em novembro de 2022. Isso se chama planejamento.

Foi contratado o técnico Pepa, que deu uma nova vida ao time, ganhando jogos improváveis, disputando de igual para igual com times cujo salário de um jogador era a folha mensal do time do Cruzeiro. Agora, vamos para o erro 02.

Erro 02: O Cruzeiro tinha um problema em campo, o time pressionava quem fosse e marcava poucos gols, tomava poucos também, tanto que hoje tem uma das melhores defesas do Brasileirão, mas não fazia gols. Isso se dava muito pela falta de critério nas contratações no início do ano e por um planejamento feito por um profissional que não estava 100% focado no trabalho. Jogadores totalmente desatentos no ataque, jogadores mais interessados em dar dribles, jogadas de efeito buscando um grande contrato na janela de transferências do que focados no jogo para fazer o Cruzeiro vencedor. Provavelmente foi isso que o Cruzeiro vendeu para que esses jogadores viessem com salários menores. No entanto, a economia saiu pela culatra e o time caiu de produção. O grande carecon, técnico Pepa, identificou esse problema e pediu reforços, colocando aos poucos no banco de reserva esses jogadores que estavam ali apenas para a vitrine. No entanto, o Cruzeiro continuava a não ganhar, mesmo jogando bem, e depois de uma derrota para o Grêmio, alguns torcedores desesperados e desavisados começaram a pedir a demissão do técnico. A diretoria vai e demite o técnico que tinha dado padrão ao time e sabia quais eram os erros a serem corrigidos, isso em detrimento a jogadores que estavam insatisfeitos com o técnico, provavelmente aqueles que estavam sendo preteridos. Resumindo, entregamos a chave do puteiro para as putas.

Erro 03: Como no fundo do poço sempre existe um alçapão, o Cruzeiro procurou um técnico mais camarada, amigo dos jogadores, que soubesse treinar naquele ritmo de samba que embalou a seleção brasileira nas Copas de 82 e 86. Bom, ele chegou e o time caiu abruptamente de produção, sem a mínima chance em campo. No entanto, com o tempo, ele conseguiu elevar o time de produtividade para, pasmem, chegar no mesmo nível que o outro tinha deixado. E a típica volta de 360 graus. Realmente fomos surpreendidos, mais uma vez.

O problema é que quando você se propõe a ser um time de gestão exemplar, em qualquer lugar do mundo, você precisa ser bom e não errar demais, principalmente em pontos tão estratégicos como os listados acima.

Ainda mais no Brasil, onde as habilidades de gestão estratégica na maioria das empresas estão mais para aquele vaso de planta que ninguém sabe cuidar, nem para que serve, mas vai ficar ali até morrer porque ganhou da mãe. 

Ou você opta por ser competente e ter um planejamento com poucos erros, ou você monta um time e vai mudando tudo no meio do caminho sem pensar nos custos. Isso é o que a maioria dos clubes do Brasil fazem. Ser um clube de gestão exemplar mas errar em pontos tão críticos e temerários é tão prejudicial quanto uma gestão completamente equivocada.

Não estou militando a favor dos clubes de gestão temerária, mas é necessário entender o jogo que está jogando. Muitos, inclusive o próprio Ronaldo, irão argumentar que ele tirou o Cruzeiro do buraco, que o Cruzeiro estava falindo. Ora bolas, todos sabiam disso, inclusive ele, que teve uma assessoria incrível para saber o tamanho do rombo. Se não tivesse condições de realmente reerguer o time, que deixasse outro fazer.

Fica parecendo que o Ronaldo não tem uma estrutura que comporta a gestão de 2 clubes. Quando o Cruzeiro estava bem, o Valladolid estava mal na Espanha. Este ano o Valladolid começou mal, mas está bem lá, e o Cruzeiro mal aqui.

Minha sugestão é, primeiro, criar duas gestões totalmente apartadas. Não tente aproveitar algo de um clube para colocar em outro, pois sempre terá que dar prioridade a um deles em uma gestão unificada. 

Segundo, traga um técnico que compre um projeto de longo prazo. Caso não seja possível, tenha técnicos na manga e confie no processo. Para o tipo de gestão que a SAF quer implementar, é crucial ter um processo claro e não ficar trocando no meio do caminho. Mesmo que troque, saiba de antemão quem pode continuar a caminhada.

Converse com a torcida, o torcedor é humilde, apaixonado, mas não é otário. Uma hora a culpa é da torcida que não está apoiando, outra hora é que não tem um estádio para jogar, outra hora é o adversário que veio retrancado. O futebol é fascinante porque quando o jogo começa, são 11 contra 11, e o resultado ocorre de acordo com o esforço e a preparação de cada jogador. Por isso, o mundo gosta desse esporte.

Não existe tabela mentirosa. Se você está na parte de baixo e por que jogou um futebol para estar lá, os jogadores precisam assumir a responsabilidade. Se chegam para treinar às 8, cheguem às 6; se saem às 18, saiam às 20. Vocês jogam por um time, por uma comunidade que não é sua. Recebem salários muito acima da média da população, por isso podem se dedicar 100% em momentos de pressão. Aqueles que não concordam podem buscar outro time, inclusive aqueles que já definiram seus futuros fora do Cruzeiro em 2024. Deixem quem tem compromisso ficar em campo.

E por último, Ronaldo, invista. Futebol não é uma empresa ou um investimento qualquer. Seu cliente é o torcedor, e fica complicado convencê-lo a te ajudar incondicionalmente quando eles não veem jogadores honrando a camisa histórica em campo. Seu time estar bem e alinhado com as expectativas da torcida significa tranquilidade para tocar qualquer ação internamente.

Se o Cruzeiro for para a B ou continuar na A, a gestão do Ronaldo não acaba, mas com certeza, para o ano que vem, a gestão precisa ser realmente repensada. É inadmissível uma empresa do tamanho do Cruzeiro cometer tantos erros grotescos de gestão em apenas um ano. Experiência, conhecimento do mercado e, principalmente, alinhamento com a torcida tornam qualquer clube campeão.

Achados e Perdidos de Assis

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